quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Day 3 - Your parents

Mãe,

Eu nunca escrevi algo para você ler, já pensei em fazer, mas não tive coragem e tinha medo de que você não me compreender. Agora lá vem a carta que você está prestes a ler...

Mãe, não quero que você sinta culpada por não ter sentido preparada para aceitar o primeiro e único filho, porém, deficiente. Lembro muito bem quando você sempre me levava nas consultas com a fonoaudióloga na capital com muita frequência, lá onde eu recebi os aparelhos auditivos que sempre odiei de usar. Quando eu recuso de colocar essas coisas, você me pressiona só porque quer que eu escute tua voz em vez de comunicar de sinais. Eu sempre imaginava assim nas noites antes de me deitar, pedir a você contar contos de fadas em língua de sinais, mas isso nunca aconteceu nem vai acontecer, você prefere pronunciar as histórias e eu sempre acabo dormindo de tédio, sem entender nada. Foi o meu desejo da infância não realizado.

Você tornou-me uma criança mais mimada, sempre ganhei os presentes mais do que devia e sempre recebia muita atenção tua, temendo que eu sofra de acidente até preconceito. Mas posso dizer que a minha infância foi boa, mesmo que fui uma criança tola achando que tudo é fácil, é porque você sempre me protege de forma exagerada. Por isso, tornei um adolescente rebelde que você nem desejaria assim.

Nosso relacionamento piorou muito quando entrei na fase de puberdade, sempre sentia um asco de você, só porque não comunicamos muito bem e no final das nossas conversas sempre terminam em brigas que prolongam em dias, meses até anos. Ninguém acredita como nós convivemos assim, pois é. Sempre quis fugir da casa para que eu possa viver sossegado, mas não foi possível, porque sentia mal preparado em ter a independência. Várias vezes você me chamou de irresponsável, infantil, idiota, rebelde e disse uma vez noutro dia - o pior das coisas – que eu não devia ter nascido, isso me deixou abalado, acho que foi naquele dia que fugi da casa pela primeira vez.

Nas semanas de crises, você me notou que sempre ando bem estranho. E me levou para posto de saúde do bairro e depois nas consultas com os psicólogos, você ficou arrasada ao saber que fui diagnosticado com depressão e transtorno alimentar. Não, não pode ser! Não me digam que estão falando sério mesmo? – você disse aos médicos e psicólogos. Isso te abalou, com certeza. Sim, eu tenho transtorno alimentar. Você não percebeu que estou sofrendo desde criança, você sempre me dava mimos como lanches, porcarias e tais, por isso engordei demais. Você nem percebeu que eu sempre fazia exercícios exagerados, comendo as refeições pela metade até privar aos poucos. Não sabe que fui zoado por ser mais gordo da escola. Não sabe que eu dei lanches da casa aos meus colegas nos intervalos da escola, quando eu voltava na casa, você me perguntou se eu gostei do lanche e eu respondi, mentindo, que estava uma delícia. Isso durou até ensino médio. Um jovem gordo, infeliz e babaca ou o magro, esforçado e sempre tenta a sorrir, qual você queria para seu filho seja assim?

Lembro quando eu tinha 16 anos, você ficou histérica, na sala de consulta do posto de saúde, quando o médico falou que eu estava pesando com apenas 38 quilos, resultado da gastrite nervosa que a bulimia causou. Pude ver você chorando alto, sendo consolada pelo médico. Dava para ver que você sente culpada pelo tudo o que aconteceu comigo. No ano passado, você redescobriu, depois de mexer meus diários, que voltei a purgar até a privar a comida, pensou que eu tinha sido curado. Mas não fui curado, mesmo. E começou a dizer que fui influenciado pela internet e algumas barbaridades que me deixaram chateado, eu tentei te dizer que não fui influenciado pela internet, sim por motivos óbvios em que passei desde criança. Mas você não percebeu, parece que você mudou muito. Está tornando a ser mais fechada... Uma vez você me perguntou se estou namorando alguma guria. Eu fiquei sem graça com sua pergunta assim. Eu estava no “armário”, então decidi a revelar pra ti, achei que era ótima hora pra contar, mas fui enganado. Você não gostou e começou a falar que fui influenciado na escola por causa das provocações dos colegas, que estou com problemas de cabeça e me implorou que eu namorasse as meninas. Você prefere fingir que não sou gay e nunca mais fez as perguntas sobre o que estou saindo com alguém. Confesso que eu tenho vontade de contar sobre minhas paixões de forma natural. Então, continuo e continuarei a não falar para você sobre os homens que conheci.

Mãe, você não é perfeita nem a melhor do mundo. Mas conseguiu fazer o filho crescer até tornar o jovem de 22 anos. Posso agradecer pelo tudo o que você fez comigo, mesmo errou várias vezes – eu também erro. Enfim, você devia estar orgulhosa por ter filho que estuda na universidade federal e prestes a ter bolsa para ter próprio sustento, só queria que você me dar parabéns para que eu possa sorrir um pouco mais depois de tudo o que passamos.

Obrigado! Não posso dizer que eu te amo, pois não sinto nenhum amor por ti como a mãe, desculpe-me.
Um beijo.