No meios dos preparativos no processo de seleção para doutorado, ao abrir o livro do Foucault intitulado de "O corpo utópico, as heterotopias", o pesquisador que tornou um suporte-base essencial para seus trabalhos acadêmicos e recente mestrado em Estudos da Tradução em outro estado depois de graduar Jornalismo. E inclusive tornou um verdadeiro suporte caótico em oferecer umas verdadeiras tapas de realidade diante da verdade "modificada".
É como cair um ficha em formato do meteorito em direção ao Terra no estilo da Laerte.
Por que a menção do Foucault neste blog? Ou impressão de que a postagem está sendo mais acadêmica? Pois bem, sendo uma pessoa surda com depressão (que deve ser diagnosticada de forma equivocada ou por conta de falha de comunicação?) e logo recebo umas suspeitas de ter características de Altas Habilidades/Superdotação - uma famosa sigla AH/SD após dialogar com as certas pessoas surdas diagnosticadas de forma tardia que surpreenderam as expectativas de forma inimaginável sobre minha pessoa.
Comecei a me questionar. Pode parecer que é óbvio, mas o processo tornou a ser mais doloroso do que se imagina. É como se olhar ao espelho que começa a quebrar aos poucos. Parece que não se reconhece mais depois das violências impostas sobre meu corpo utópico apesar de ser tão diferente com outras pessoas surdas da mesma idade naquela época, ou seja, entre pré-adolescência e pré-adulto, que vieram os questionamentos que me deixaram intrigado de certa forma. E me adoecem de certo sentido numas formas mais violentas que já ocorreu na situação de bullying. Dessa vez eu não hesitaria em perdoar para certas pessoas que fazem parte da comunidade surda que é minoritária, o jeito que era me sumir da vidas deles. Por isso fiz ações absurdas que não demandam a reflexão necessária apesar da situação complicada de ter convivido na casa dos pais durante a vida escolar, e pude encarar de dupla violência: não ter aceitação tampouco aprovação depois de ser aprovado no processo vestibular do federal após saberem qual curso selecionado. Que era totalmente diferente do pensamento deles, que queriam que eu fosse profissionalizar em ciências do campo. Mesmo assim, mudei para que eles possam esquecer aos poucos da minha existência.
Como eu havia concluído o curso de Jornalismo apesar dos desafios e violências capacitistas que enfrentei durante quatros anos, tive que mostrar a realidade diante à pessoa que me geriu durante a defesa do trabalho de conclusão. Depois daquela defesa conturbada, eu tinha convidado a minha mãe para almoçar com meus amigos e intérpretes, porém ela simplesmente ofereceu dinheiro e me despediu.
Sinceramente, isso me atingiu. Por que ela fez isso? Ela não se sente orgulho de que seu único filho que é um mero surdo que concluiu Jornalismo? Deve ser um dos vários motivos de que me motivaram a se mudar para outro lugar de forma inesperada? De forma inesperada pode ser dolorida, mas tornou necessária mesmo.
Me evolui, ou seja, cresci muito vivendo no estado vizinho, especialmente na região litorânea. Como eu não tinha apreço sobre praias e demorei a reconhecer que a praia tornou um ritual para reflexões solitárias e carregadas de álcool, claro. (Após anos de conviver vivendo com a mãe dizendo que bebo muito, não é que ela previu muito apesar do óbvio diante da situação conturbada?)
Após a conclusão do mestrado em Estudos da Tradução, que era uma área inesperada que me instigou inteiramente (ou era mera característica de ser curioso para caralho?), pois bem, e tive que retornar para pampas depois de ter sido demitido numa área empresarial por dois anos (imagina lidar o combo de saúde mental entre trabalho e mestrado com bolsa). O melhor das todas é que não ter retornado na cidade natal, fui acolhido na cidade onde cursei na época da graduação (valorizem amizades inesperadas, por favor!).
Entonces, retornando diante dos apetrechos foucaltianos, logo esbarro com um trecho que faria sentido danado com flashbacks:
Meu corpo, topia implacável. E se, por sorte, eu vivesse com
ele em uma espécie de familiaridade gasta, como se com uma
sombra, ou com as coisas de todos os dias que no fim das contas
não enxergo mais e que a vida embaçou; como as chaminés, os
tetos que, todas as tardes, se ondulam diante de minha janela?
No entanto, todas as manhas, a mesma presença, a mesma ferida;
desenha-se aos meus olhos a inevitável imagem imposta pelo
espelho: rosto magro, ombros arcados, olhar míope, sem cabelos, realmente nada belo. E e nesta desprezível concha da minha
cabeça, nesta gaiola de que não gosto, que sera preciso mostrar-me e caminhar; e através desta grade que sera precisa falar, olhar, ser olhado; sob esta pele, deteriorar. Meu corpo é o lugar sem
recurso ao qual estou condenado. Penso, afinal, que é contra ele
e como que para apagá-lo que fizemos nascer todas as utopias.
A que se deve o prestígio da utopia, a beleza, o deslumbramento
da utopia? A utopia é um lugar fora de todos os lugares, mas um
lugar onde eu teria um corpo sem corpo, um corpo que seria belo,
límpido, transparente, luminoso, veloz, colossal na sua potência,
infinito na sua duração, solto, invisível, protegido, sempre transfigurado; pode bem ser que a utopia primeira, a mais inextirpável no coração dos homens, consista precisamente na utopia de
um corpo incorporal
(O corpo utópico, as heterotopias, de Foucault, 2013).
Logo o espelho se quebra, mesmo apesar dos sentimentos impostos sobre controle de nossos corpos e nossas emoções. Só que, durante a recente ocasião do casamento do amigo meu, o noivo percebe ao sentir volume do meu corpo elogiando após me abraçar, falei que engordei para a surpresa dele de que ter ultrapassado o peso dele. Logo me questionou se estou feliz por ter aumento do peso. Falei que posso estar feliz de qualquer jeito apesar de ter dado sorriso maroto.
Sei que tenho que me reconhecer quão necessário encarar apesar de tudo. E também tenho que conviver lutando em vez de cair diante das padrões impostas enquanto corpo utópico (vulgo perfeito). E é que demorei a perceber quão óbvio que tenho prazer nas pessoas gordas depois de assumir minha sexualidade (e convivi com as pessoas gordas que me proporcionaram prazer um tanto!), enquanto tenho de lidar sendo visto como twink para outros sem saberem que tenho histórico de transtorno alimentar.
Sobre a situação de suspeita de AH/SD, não sei se vou responder disso logo por conta de situação financeira que me impediu a realizar exames concisas, que poderiam fazer uma grande diferença. Portanto, enfim... Não vou tolerar que meu espelho segue quebrado após anos e vou colar as peças quebradas. E darei orgulho para família de coração (amigos que conheci e que me acolheram durante anos acadêmicos apesar de tudo mesmo com a diferença absurda).
Desde que estou convivendo com monstros na mente para que eu possa seguir em frente apesar de tudo.
66 quilos, de 1,72cm.
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